
Quem já não chorou ao som de uma canção de amor perdida? O fim de uma relação pode doer tanto quanto a morte. A psicologia descreve esse processo em fases — negação, raiva, barganha, depressão e aceitação (Kübler-Ross, 1998) —, mas no Brasil essa dor nunca ficou trancada em silêncio. Ela foi cantada, compartilhada e transformada em trilha sonora da nossa vida coletiva. A música romântica se tornou aquilo que José Ramos Tinhorão (1974) chamou de “crônica sentimental da sociedade”: um espelho de nossas feridas, mas também um alívio para elas.
Raiva, saudade e catarse em versos
Lupicinio Rodrigues – “Vingança” (1951)
A raiva, como lembra Kübler-Ross (1998), é a tentativa de transferir a dor ao outro, de desejar que ele sinta o mesmo corte no peito. Quando Lupicinio canta “eu gostei tanto, tanto quando me contaram que lhe encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar”, ele encarna essa fase. A canção mostra que, diante do luto amoroso, imaginar o outro igualmente ferido é uma forma de sobrevivência emocional.
Tim Maia – “Me Dê Motivo” (1979)
A barganha surge como esforço de negociar com o inevitável. É a fase em que ainda buscamos justificativas para prolongar o vínculo (Kübler-Ross, 1998). Quando Tim Maia implora “me dê motivo pra ir embora, estou vendo a hora de me decidir”, ele vocaliza exatamente esse impasse descrito pela psicologia: a recusa em aceitar o fim sem antes esgotar todas as possibilidades.
Roupa Nova – “Dona” (1985)
Na teoria do luto, a negação é a primeira barreira (Kübler-Ross, 1998). Em “Dona”, o eu lírico insiste na idealização: “Dona desses traiçoeiros sonhos, sempre verdadeiros”. A canção mostra a recusa em encarar a ausência, transformando a memória em fantasia. É a voz de quem fecha os olhos para a realidade porque não suporta encará-la de frente.
Fábio Jr. – “Alma Gêmea” (1986)
A Teoria do Investimento (Rusbult, 1980) ensina que quanto mais energia e tempo dedicamos a uma relação, mais difícil é soltar as mãos. Quando Fábio Jr. canta “por você largo tudo, vou pra qualquer lugar”, ele expõe não apenas o amor, mas a dependência afetiva. Aqui, a barganha se mistura ao apego, reforçando o quanto se investiu nesse laço.
José Augusto – “Aguenta Coração” (1983)
A depressão, segundo Kübler-Ross (1998), é o mergulho inevitável na dor. “A saudade vem, me tira a paz, me faz chorar” é um retrato cru da fase em que a lembrança não deixa respirar. José Augusto traduz em melodia o peso da perda que a psicologia descreve como fase de maior vulnerabilidade e esgotamento emocional.
Marisa Monte – “Depois” (1991)
Há um momento em que tudo perde o sentido — o que Field (2013) chamou de vazio pós-traumático. Em “Depois”, Marisa canta: “pra quê querer saber que horas são?”. O tempo se desfaz, o mundo perde a cor. Essa letra é o eco do vazio existencial que acompanha o luto amoroso quando já não há referências para seguir em frente.
Vinicius de Moraes – “Eu Sei que Vou Te Amar” (1959)
Na aceitação, o amor não desaparece: ele é ressignificado (Kübler-Ross, 1998). Vinicius escreve: “por toda a minha vida eu vou te amar”, assumindo que a lembrança permanecerá como cicatriz. É a aceitação melancólica — não se trata de esquecer, mas de conviver com a ausência de forma serena.
Dor transformada em festa
Beth Carvalho – “Vou Festejar” (1978)
A canção marca a transição entre raiva e aceitação. Ao denunciar a ingratidão — “você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão” — Beth dá corpo ao que Walster & Walster (1978) chamam de sentimento de injustiça nas relações. Mas ela não para na acusação: ela festeja. O que poderia ser dor solitária vira coro coletivo, transformando ressentimento em catarse social.
Da sofrência à identidade coletiva
Pablo – “Porque Homem Não Chora” (2014)
Aqui a negação se disfarça de orgulho. Segundo Baumeister & Leary (1995), o silêncio forçado e a impossibilidade de expressar a dor intensificam o sofrimento. Pablo canta o imperativo social que manda o homem engolir as lágrimas. A letra revela como normas de masculinidade agravam o luto, criando um aprisionamento afetivo.
Marília Mendonça – “Infiel” (2015)
É a raiva em estado puro: “estou te expulsando do meu coração”. A música representa o que Kübler-Ross (1998) descreve como explosão contra o outro. Mas em Marília, a raiva não é impotente: ela se torna força, voz, empoderamento feminino que expulsa o traidor e se reconstrói.
Henrique & Juliano – “Cuida Bem Dela” (2014)
Mais uma vez, a barganha: o eu lírico fala com o novo parceiro, pedindo cuidado como se ainda pudesse proteger quem ama. Esse deslocamento do cuidado é a tradução estética da tentativa de prolongar a ligação (Kübler-Ross, 1998). A despedida dói, mas ainda busca controlar o destino do outro.
Música como remédio coletivo
A música romântica cumpre papéis que a psicologia sozinha não dá conta:
- Catarse: a dor que vira canto, aliviando o coração.
- Pertencimento: o sofrimento individual que se torna coletivo, vivido em bares, shows e coros de estádio.
- Ressignificação: a perda que vira arte, memória e identidade.
Se a ciência descreve o luto em teorias e fases (Kübler-Ross, 1998; Rusbult, 1980; Walster & Walster, 1978; Baumeister & Leary, 1995), a música nos dá ritmo, poesia e companhia. É por isso que, quando o coração dói, a gente aperta o play e deixa que alguém cante por nós — para entender, sentir e aceitar que até as maiores dores podem virar arte.
Graduado em História, com especialização em Ensino de História das Artes e das Religiões, e em Logística, com MBA em Gestão da Produção. Amante das artes e da percussão, é escritor de contos, músicas, poesias, cordéis e esquetes teatrais. Já atuou como ator em peças de teatro, unindo paixão pela cultura e expressão artística.