quinta-feira, novembro 21

Equiparação do aborto ao homicídio penaliza mulheres estupradas

Projeto de lei que equipara aborto ao homicídio simples criminalizando mulheres estupradas provoca debate acalorado no Brasil.

Pastor Silas Malafaia e o Deputado Federal Sóstenes Cavalcante autor do projeto que criminaliza o aborto.
Pastor Silas Malafaia e o Deputado Federal Sóstenes Cavalcante autor do projeto que criminaliza o aborto. Foto: Lula Marques/Agência PT

O projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica, provocou uma intensa discussão na sociedade brasileira. A proposta prevê que a pena para a mulher que fizer o procedimento. Hoje protegido por lei, seja mais dura do que a prevista para o homem que a estuprou.

Penas Previstas pelo Projeto de Lei

Se a lei for aprovada, ela equiparará o aborto ao homicídio simples, conforme o artigo 121 do Código Penal. Nesse caso, a pena variará entre 6 e 20 anos de prisão. Além disso, no caso do estupro, citado no artigo 213 do Código Penal, a pena mínima é de 6 anos quando a vítima é adulta, mas pode chegar a 10 anos. No entanto, se a vítima for menor de idade, a pena mínima sobe para 8 anos e a máxima pode alcançar 12 anos. Ademais, no caso do estupro de vulnerável (Art. 217-A), quando a vítima tem menos de 14 anos ou é incapaz de oferecer resistência, a pena mínima é de 8 anos de reclusão, e o tempo máximo passa para 15 anos. Somente quando o crime é praticado contra vulnerável e resulta em lesão corporal grave a pena pode chegar a 20 anos.

Em um cenário hipotético, se uma mulher adulta for vítima de estupro e interromper a gravidez após a 22ª semana, é possível que ela seja condenada a 20 anos de prisão, enquanto o seu estuprador pode ficar preso entre 6 e 10 anos. A advogada e especialista em gênero Maíra Recchia considera o projeto um absurdo e compara com a legislação atual. Ela afirma: “Hoje não se pune o aborto em caso de estupro e não há restrição de tempo para o procedimento nesse caso. Há também a discussão sobre o aborto nos casos em que se oferece risco à mãe. Tudo fica criminalizado. É um absurdo”. Questionado sobre essa discrepância, o autor do projeto disse que a aplicação da lei “ficará a cargo do juiz” e que tentaria negociar.

Reações de Especialistas

A advogada Gabriela Sousa, especialista em advocacia feminista e sócia da Escola Brasileira de Direito da Mulher (EBDM). Avalia que o projeto tem o objetivo “de chancelar a dominação dos corpos das mulheres” e afirma que a proposta é uma violação dos direitos humanos e inconstitucional. Pois viola tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário. “Quando a gente encara uma realidade onde há uma proposta de que o aborto tem uma pena maior do que o homicídio. A gente deixa claro a ausência de valores e a ausência de respeito aos direitos, aos corpos e à autodeterminação de todas as mulheres, deixando claro que se valoriza o nascimento e não a vida”, completa.

Na avaliação de Amanda Sadalla, diretora-executiva da Serenas (organização que atua pela prevenção das violências de gênero), falta aos autores e apoiadores do projeto o conhecimento sobre as estatísticas de crimes sexuais contra meninas e mulheres no país. Ela afirma que o Brasil vive no ápice de uma epidemia de violência sexual. “A cada 8 minutos, uma menina ou mulher foi estuprada em 2023. O principal alvo são meninas com menos de 13 anos e mulheres negras. Na Serenas, costumamos dizer que meninas e mulheres não são livres para sonhar por conta das violências que sofrem. Iremos retroceder a ponto de dizer que elas não serão livres para viver porque estarão presas pela violência que sofreram?”, pontua Amanda.

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Reação do Governo do presidente Lula

O PL provocou reação no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e o ministro Silvio Almeida considerou a medida como uma “imoralidade e inversão dos valores civilizatórios mais básicos”. “É difícil acreditar que a sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador têm o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte”, diz o ministro.

O ministro afirma ainda que o PL é inconstitucional porque “fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável, além de impor um tratamento discriminatório”. Trata-se da materialização jurídica do ódio que parte da sociedade sente em relação às mulheres; é uma lei que promove o ódio contra mulheres. Como pai, como filho, como cidadão, como jurista, como Ministro de Estado eu não posso jamais me conformar com uma proposta nefasta, violenta e que agride as mulheres e beneficia estupradores.”

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Detalhes do Projeto de Lei

O texto altera o Código Penal e estabelece a aplicação de pena de homicídio simples nos casos de aborto de fetos com mais de 22 semanas nas situações em que a gestante:

  • Provoque o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa lhe provoque; pena passa de prisão de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos;
  • Tenha o aborto provocado por terceiro com ou sem o seu consentimento; pena para quem realizar o procedimento com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o aborto sem consentimento, hoje fixada de 3 a 10 anos.

A proposta também altera o artigo que estabelece os casos em que o aborto é legal, restringindo a prática em casos de gestação resultante de estupro. Conforme o texto, mulheres poderão realizar o procedimento até a 22ª semana de gestação. Após esse período, mesmo em caso de estupro, a lei criminalizará a prática.

Trinta e dois deputados assinam a proposta, incluindo o segundo vice-presidente da Casa, Sóstenes Cavalcante, e o presidente da bancada evangélica, Eli Borges (PL-TO).

Bancada Quer ‘Testar’ Lula

Nesta terça-feira (11), Sóstenes procurou a imprensa após a repercussão do tema para defender o mérito de sua proposta. Ele prevê que o projeto passe com ”mais de 300 votos” no plenário da Câmara (são 513 deputados). E diz que a bancada evangélica vê como um “teste” para o presidente Lula se ele vetar o projeto. “O presidente mandou uma carta aos evangélicos na campanha dizendo ser contra o aborto. Queremos ver se ele vai vetar. Vamos testar Lula.” Inclusive, a bancada evangélica avalia que o PT vai liberar a bancada para evitar desgastes em ano eleitoral.

Em suma, a proposta de equiparação do aborto ao homicídio simples gerou um grande debate e revelou a polarização sobre o tema no Brasil. Além disso, a aprovação da lei traria consequências significativas para os direitos reprodutivos das mulheres e o enfrentamento à violência sexual. Dessa forma, a sociedade aguarda, com expectativa, o desfecho desse polêmico projeto.

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