domingo, julho 27

Vacina contra HIV custa R$ 140, mas é vendida a R$ 156 mil

The Lancet mostra que lenacapavir pode custar US$ 25, mas farmacêutica cobra mais de US$ 28 mil por ano nos EUA.

Preço elevado impede vacina contra HIV em sistemas públicos
Preço elevado impede vacina contra HIV em sistemas públicos. Foto: Scripps News

Um novo estudo publicado na revista científica The Lancet revelou que o lenacapavir, uma vacina injetável semestral para prevenção do HIV, poderia ser comercializada por apenas US$ 25 por dose — o equivalente a cerca de R$ 140 na cotação atual. No entanto, a farmacêutica Gilead Sciences, responsável pelo medicamento, cobra mais de US$ 28 mil por pessoa ao ano nos Estados Unidos (cerca de R$ 156 mil), um valor considerado inacessível para sistemas públicos de saúde, inclusive em países desenvolvidos.

Uma promessa no combate ao HIV

Desenvolvido como uma nova estratégia de prevenção ao HIV, o lenacapavir oferece proteção com apenas duas doses por ano, um avanço em relação à Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) atualmente adotada no Brasil e em diversos países. A PrEP é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017 e consiste na ingestão diária de um comprimido, exigindo rigorosa adesão para garantir eficácia.

Segundo os autores do estudo, uma produção em larga escala do lenacapavir permitiria uma redução drástica de custos. Utilizando simulações econômicas com base em dados de produção farmacêutica genérica, os pesquisadores estimaram que a vacina poderia ser viável por até US$ 4 por dose em cenários de máxima eficiência — embora reconheçam que um valor sustentável e lucrativo seria em torno de US$ 25.

“A discrepância entre o custo estimado e o preço de mercado representa um enorme obstáculo para a equidade global no combate ao HIV”, destacou o pesquisador principal do estudo, Dr. Dzintars Gotham, do Imperial College London.

Impasses regulatórios e comerciais

Apesar do potencial promissor, o lenacapavir ainda não tem aprovação da Anvisa no Brasil. A Gilead já iniciou os trâmites de submissão em outros países, como África do Sul e Estados Unidos, mas não anunciou prazos concretos para democratizar o acesso à vacina, especialmente nos países de baixa e média renda, que concentram a maior parte das infecções pelo vírus HIV.

A Gilead Sciences justificou, em nota, que o preço praticado nos EUA reflete os custos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. A farmacêutica também informou que está desenvolvendo parcerias para ampliar o acesso em países prioritários, mas não divulgou políticas concretas de precificação diferenciada ou acordos com fabricantes de genéricos.

O desafio da adesão à PrEP no Brasil

No Brasil, embora a PrEP esteja disponível gratuitamente no SUS, especialistas apontam que o modelo atual dificulta a adesão contínua, principalmente em populações vulneráveis. A necessidade de uso diário, aliada ao estigma e à desinformação, são barreiras frequentes identificadas por profissionais da saúde.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2023, cerca de 70 mil pessoas utilizavam a PrEP no país — número considerado baixo diante da população em risco. A inovação de uma vacina semestral poderia, segundo especialistas, representar uma virada estratégica na contenção da epidemia, especialmente entre jovens e pessoas com menor acesso à rede de saúde.

Ponto de vista de especialistas

A infectologista Helena Duarte, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), avalia que o lenacapavir pode representar uma mudança de paradigma:

“Tratar o HIV com uma injeção semestral simplifica muito o cuidado. É mais eficaz para o usuário, mais eficiente para o sistema de saúde e pode reduzir drasticamente as infecções, se houver acesso.”

Por outro lado, entidades ligadas à indústria farmacêutica argumentam que a precificação de medicamentos inovadores deve considerar os altos riscos e investimentos envolvidos. Segundo o International Federation of Pharmaceutical Manufacturers & Associations (IFPMA), menos de 10% das moléculas testadas chegam ao mercado.

Caminhos possíveis para o futuro

Enquanto o preço atual do lenacapavir inviabiliza a incorporação imediata nos sistemas públicos, especialistas apontam caminhos para negociação com a Gilead e alternativas como:

  • Quebra de patentes em casos de emergência de saúde pública;
  • Parcerias com fabricantes de genéricos em países com capacidade produtiva;
  • Pressão internacional por preços diferenciados conforme a renda dos países;
  • Estudos de custo-efetividade locais, que embasem decisões de incorporação futura.

A revelação do estudo da The Lancet reacende o debate global sobre acesso equitativo a medicamentos e os limites éticos da precificação na indústria farmacêutica. Enquanto a vacina semestral representa um avanço científico relevante, seu preço atual reforça desigualdades estruturais no enfrentamento do HIV.

A decisão sobre sua incorporação em políticas públicas de saúde dependerá, nos próximos anos, não apenas da eficácia clínica, mas também de acordos comerciais e decisões políticas capazes de equilibrar inovação e justiça social.

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