A extinção do “Café com Leite” nas brincadeiras infantis revela mudanças sociais, tecnológicas e culturais que transformaram a infância brasileira.

Quem nasceu até a década de 1980 provavelmente já foi o “Café com Leite” em alguma brincadeira de rua. O termo, que fazia parte do vocabulário infantil, representava a criança mais nova ou frágil que participava das atividades sem sofrer penalidades severas. Embora muitos não gostassem do papel, ele era fundamental: permitia a transição e integração entre gerações.
O papel do “Café com Leite” nas brincadeiras
Nas ruas de barro das cidades brasileiras, especialmente nas periferias, o “Café com Leite” simbolizava o elo entre os mais velhos e os mais novos. A criança, mesmo sem total habilidade, tinha espaço garantido no grupo, aprendendo com os mais experientes e preparando-se para, em breve, brincar “a vera”.
Além disso, a grande taxa de natalidade até os anos 1980 possibilitava turmas numerosas de brincantes, o que tornava natural a presença de crianças em diferentes faixas etárias interagindo juntas.
Mudanças sociais e tecnológicas
Com o tempo, esse cenário mudou. O aumento da violência urbana e, principalmente, a chegada dos telefones celulares, considerados alvos de assaltos, fez com que a permanência de crianças nas ruas fosse vista com mais cautela pelos pais.
Outro fator determinante foi a queda na taxa de natalidade e a postergação da maternidade. De acordo com matéria da Folha de S.Paulo (13/01/2019), em 20 anos, a gravidez após os 35 anos cresceu 65% no Brasil, enquanto o número de mães entre 20 e 29 anos caiu 15%. Essa mudança reduziu a proximidade entre gerações infantis, dificultando a transmissão cultural das brincadeiras.
O vazio das novas gerações
Hoje, crianças nascidas a partir da metade da década de 1990 muitas vezes desconhecem jogos como Batata Quente, Pula Carniça ou Barra Bandeira. Sem a mediação dos mais velhos, perderam-se referências e tradições lúdicas.
Em muitos casos, os espaços de lazer se limitam a parques pagos, áreas de condomínio ou, mais frequentemente, às telas de celulares, tablets e computadores. Para algumas famílias, a contratação de animadores de festas se tornou a principal forma de introduzir jogos coletivos às crianças.
Entre nostalgia e reflexão
O desaparecimento do “Café com Leite” não representa apenas a extinção de uma expressão, mas a transformação da infância brasileira. As novas gerações cresceram mais conectadas, porém mais isoladas, sem o aprendizado intergeracional que os jogos de rua proporcionavam.
Resta aos pais e responsáveis o desafio de resgatar a ludicidade fora das telas, incentivando a convivência entre crianças de diferentes idades. Nem que seja para relembrar, mesmo que simbolicamente, a importância de brincar como “Café com Leite”.

Graduado em História, com especialização em Ensino de História das Artes e das Religiões, e em Logística, com MBA em Gestão da Produção. Amante das artes e da percussão, é escritor de contos, músicas, poesias, cordéis e esquetes teatrais. Já atuou como ator em peças de teatro, unindo paixão pela cultura e expressão artística.