Diferenças nos dados do SIOPE e TCE sobre o precatório geram desconfiança e nova pressão sobre a prefeita Mary Gouveia.

A cidade de Escada, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, vive um momento de inquietação e perplexidade. Em meio à rotina de um município que historicamente convive com desafios estruturais em áreas como saúde, educação e infraestrutura, um novo escândalo se desenha com potencial para marcar negativamente a política local por anos: as denúncias de irregularidades na aplicação dos recursos dos precatórios do Fundef.
Com base em dados oficiais, discursos parlamentares e a cobrança incansável dos professores da rede municipal, surgem questionamentos que não podem ser ignorados: onde foi parar o dinheiro do Fundef? Por que os números apresentados pela gestão não batem com os registros de órgãos de controle? E, sobretudo, quem deve ser responsabilizado caso se confirmem as denúncias de má gestão ou desvio de verbas públicas?
Entendendo os precatórios do Fundef
Antes de qualquer análise, é fundamental que o leitor compreenda o que está em jogo. A União deve os precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) a estados e municípios que, entre 1998 e 2006, não receberam corretamente os repasses federais destinados à educação básica.
Em 2023, a Prefeitura de Escada recebeu cerca de R$ 73,4 milhões como parte desses precatórios.O Tribunal de Contas da União (TCU), respaldado por decisões judiciais, determinou que a prefeitura deve destinar 60% dos recursos dos precatórios diretamente aos professores da rede municipal que atuaram entre 2001 e 2006.
Dessa forma, a gestão municipal deveria ter distribuído cerca de R$ 44 milhões entre os educadores. No entanto, segundo o sindicato da categoria (SindProme), a prefeitura pagou apenas R$ 23 milhões até o momento. A diferença — mais de R$ 20 milhões — está no centro de uma crise política, institucional e, possivelmente, jurídica.

As versões que não se encontram
De acordo com dados enviados pela própria Prefeitura de Escada ao SIOPE (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação), já teriam sido pagos R$ 51,3 milhões, divididos em três repasses:
- R$ 20 milhões no dia 14 de outubro de 2024
- R$ 17,5 milhões no dia 4 de dezembro de 2024
- R$ 13,7 milhões no dia 7 de fevereiro de 2025
Contudo, no portal do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), consta como despesa efetivamente registrada apenas R$ 26,2 milhões com os precatórios do Fundef. É justamente aí que mora a grande divergência.
A diferença entre o que foi declarado, o que foi registrado nos órgãos de controle e o que foi realmente rateado com os professores levanta suspeitas e exige explicações claras. Como bem pontuou o vereador Pedro Jorge (Avante), em pronunciamento no plenário da Câmara Municipal, “essa situação é um possível escândalo de grandes proporções”.
A responsabilidade de quem governa
A prefeita Mary Gouveia (PL) é a principal figura pública pressionada a explicar o destino do dinheiro. Com um histórico de protagonismo na política local — e o apoio do marido, o ex-prefeito e atual secretário Jandelson Gouveia — Mary administra uma gestão que já enfrentou outras controvérsias, mas agora lida com uma crise de credibilidade diretamente relacionada ao futuro de centenas de professores e ao uso de recursos públicos.
Por enquanto, a resposta oficial da prefeitura não convence nem a classe docente nem os vereadores da oposição. As explicações sobre os supostos pagamentos não vieram acompanhadas de documentos que comprovem, por exemplo, quantos professores receberam, quanto cada um recebeu, e por qual critério. Além disso, os dados disponíveis nos portais oficiais são contraditórios, o que compromete a transparência da gestão.
O silêncio que ensurdece
Em tempos de redes sociais, escândalos se propagam com velocidade. Mas ao contrário do que se esperaria em um cenário de crise, a Prefeitura de Escada optou pelo silêncio institucional. A prefeita não convocou coletiva de imprensa, não se manifestou publicamente para esclarecer os fatos, nem autorizou seus assessores a prestarem os esclarecimentos técnicos que a população exige.
Pior: como revelou o vereador Pedro Jorge, até a Câmara tem enfrentado dificuldades para obter informações completas. Em um contexto republicano, isso é inaceitável. O princípio da publicidade, inscrito no artigo 37 da Constituição Federal, exige que todo gestor público preste contas à sociedade sobre seus atos, especialmente quando envolvem cifras milionárias.
A pressão dos professores
De um lado, está a prefeitura; do outro, os professores e a população. A categoria docente, representada pelo SindProme, tem adotado uma postura firme. Além das mobilizações e atos públicos, o sindicato promete entrar com nova ação judicial cobrando a redistribuição da diferença não paga. E tem razão. Se existe um direito adquirido e consolidado por jurisprudência, ele deve ser respeitado. Mais que uma questão financeira, trata-se de reconhecimento àqueles que dedicaram suas vidas à educação pública municipal.
A sociedade escadense, por sua vez, também começa a despertar. O assunto já está nas rodas de conversa, nas salas de aula e nos corredores da Câmara. O povo quer saber onde está o dinheiro. E mais: quer justiça.
A omissão da base governista
Surpreendentemente, até agora, os vereadores da base da prefeita têm se mantido em silêncio sobre o tema. Nenhuma nota pública, nenhum pedido de explicação formal, nenhuma audiência convocada. Isso é grave.
O Legislativo tem a função precípua de fiscalizar o Executivo. Se a base ignora denúncias tão sérias, torna-se cúmplice por omissão. Já passou da hora de a Câmara de Vereadores cumprir seu papel institucional, convocando a gestora municipal para prestar contas à sociedade, inclusive com a possibilidade de abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Mais que números: o impacto na educação
É preciso lembrar que esse não é apenas um debate contábil. Estamos tratando do destino de recursos que poderiam transformar realidades. O dinheiro do Fundef — quando utilizado corretamente — pode melhorar salários, formar professores, equipar escolas e garantir uma educação mais digna.
Ao desviar esse propósito, fere-se um princípio básico: a valorização do magistério. E quando a educação pública é prejudicada, quem mais sofre são os filhos das famílias mais pobres, que dependem da escola pública como porta de entrada para uma vida melhor.
O que fazer daqui pra frente?
Diante desse cenário, alguns passos são urgentes e indispensáveis:
- Transparência imediata: a Prefeitura de Escada deve divulgar, com detalhes, todos os pagamentos efetuados, listas nominais de beneficiários e critérios utilizados no rateio.
- Ação do TCE: o Tribunal de Contas precisa abrir auditoria específica sobre os valores declarados e efetivamente pagos.
- Atuação do MPPE: o Ministério Público deve apurar possíveis crimes de responsabilidade, improbidade administrativa ou desvio de recursos.
- Mobilização da sociedade: professores, sindicatos, estudantes e cidadãos devem continuar exigindo esclarecimentos e pressionando os poderes públicos.
A hora da verdade
Escada chegou a um ponto de inflexão. As próximas semanas serão decisivas para sabermos se estamos diante de mais um caso de impunidade ou se finalmente testemunharemos um processo sério de apuração, responsabilização e reparação.
A história não perdoa os omissos. Aos que hoje tentam esconder a verdade ou varrer os fatos para debaixo do tapete, restará o peso da memória coletiva. E esta, quando alimentada pela dor da injustiça, não se apaga facilmente.
Aos professores, cabe resistir. À população, cabe exigir. Aos vereadores, cabe agir. E à prefeita, cabe explicar — com clareza, com documentos, com a verdade.
Porque a educação não pode ser palco de escândalos. E o dinheiro público, muito menos.
A pergunta que não quer calar é:
Onde está o dinheiro do Fundef que deveria ter sido pago integralmente aos professores da rede municipal de Escada?

CEO do Portal Fala News, Jornalista pela UNIFG, licenciado em Letras PT/ES pela FAESC, formado em psicanálise pela ABEPE, pós-graduado em linguística aplicada as línguas portuguesa e espanhola pela FAESC, e MBA em Marketing Digital e Mídias Sociais pela UniNassau. Analista de política e economia, colunista sobre psicanálise, amante dos livros e dedicado a levar informação com transparência e credibilidade.